sábado, 20 de junho de 2015

Sempre a sorrir, Nathalia Rodrigues é exemplo de superação nas dificuldades impostas pela cegueira

Jovem carioca integra o elenco do programa "Esquenta" e sonha em se tornar a primeira repórter deficiente visual no Brasil 


"Eu sempre digo que consigo fazer as coisas mais difíceis e inimagináveis como pegar onda e andar de bicicleta, mas não consigo efetuar atividades normais como ir ao shopping ou ler o cardápio do restaurante. É mais fácil fazer o difícil, mas o fácil, é impossível", assim relata algumas das dificuldades que enfrenta em seu cotidiano, a bela da vez, Nathalia Rodrigues. 

 
Reprodução Twitter: @EuNathaliaR
A jovem de 22 anos que faz parte do elenco do programa "Esquenta" e cursa jornalismo na ESPM contou para nós do A Bela é Carioca um pouco sobre como enfrenta os obstáculos diários por conta da ausência da visão, a escolha pelo jornalismo e como se mantém conectada as redes sociais. 

A Bela é Carioca: Quais as dificuldades diárias que você enfrenta e enfrentou por ser deficiente visual? 

Nathalia Rodrigues: Além de cega, sou de uma classe social não muito favorecida, ou seja, sou nascida e criada na favela, embora eu tenha muito orgulho da minha origem, não posso negar que a sociedade não está preparada para atender as minhas dificuldades, imagina na favela. Tenho dificuldades no dia a dia. Não temos calçadas em bom estado, os transportes públicos não são adaptados, mesmo com avanços não tem um dia que eu não tenha algum tipo de dificuldade. 

A Bela é CariocaQual a maior dificuldade em encontrar instrumentos que te facilitam no dia a dia? 

Nathalia Rodrigues: A maior dificuldade é fazer com que as pessoas pensem uma sociedade sem restrições. Digo isso porque ninguém nunca imagina que eu sou vaidosa e que faço tudo que tenho vontade. Quando alguém pensa em abrir um restaurante, ela não imagina e nem presume que possa ter um cliente com deficiência e nem que ela pode se tornar um deles um dia. O mundo é feito para os que são iguais, e não para os que são diferentes, em todos os sentidos. Fala-se muito em acessibilidade, mas há quem pense que estão fazendo um favor, quando na verdade não estão fazendo mais do que a obrigação. As ferramentas que me auxiliam na vida, são todas muito caras, difíceis de encontrar e pouco divulgadas. Também são frios, sem personalização e sem graça mesmo. Meu sonho é ter uma bengala rosa, quer dizer um dos meus sonhos, mas só encontro branca e algumas ainda tem uma ponta amarela, além de serem pouco resistentes. As minhas só duram três meses.

A Bela é Carioca: Sabemos que você cursa jornalismo, então qual foi o principal motivo para a escolha desse curso?

Nathalia Rodrigues: Eu sou apaixonada por pessoas, o ser humano me fascina. Sempre fui muito curiosa e interessada no que acontecia a minha volta. Desde pequena escrevia uma crônica/poesia para as pessoas que eu conhecia e achava necessário. No ensino médio fiz técnico em administração, e não imaginei que faria jornalismo, mas quando estudei a fundo a profissão, fiquei apaixonada, mesmo sabendo que teria muitas dificuldades.

A Bela é Carioca: A internet, redes sociais e aplicativos são quase indispensáveis na atualidade, e sabemos que você não foge desses padrões socais. Quais adaptações foram necessárias para que sua acessibilidade fosse facilitada?
Nathalia Rodrigues: O meu primeiro celular não era adaptado e era muito difícil, eu dependia das pessoas para tudo, mandar mensagem, fazer ligações, etc. Depois ganhei um celular que tinha como colocar um programa que falava mesmo ruim me dava uma autonomia. Até que ganhei um Iphone de presente de aniversário de um casal de amigos. Os produtos da Apple têm uma adaptação própria, muito boa e que não tem comparação com nenhuma outra que eu conheça até hoje, essa adaptação tem para cegos surdos/mudos. Funciona como um leitor de tela, a voz é humana, ele diz o máximo de informações possíveis, só não ler imagem, mas faz a leitura de legendas e emojis. No trabalho uso um programa brasileiro e gratuito que também faz leitura de tela, mas com muitas limitações.

Reprodução Instagram: eunathaiar

  
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A Bela é Carioca: Um dos seus sonhos é se tornar a primeira repórter deficiente visual no Brasil, quebrando paradigmas e protótipo negativo criado pela sociedade. Como você se sente vendo esse sonho se tornar realidade? (Nathalia também foi repórter por um dia  no Jornal das Seis na Globo News em matéria sobre o jardim sensorial do Jardim Botânico)
Nathalia Rodrigues: Eu me sinto muito honrada. Acredito muito que o que queremos fazer da nossa vida depende muito da nossa vontade. As pessoas acreditam no meu sonho porque eu acredito mais do que todo mundo, e através da minha força vou contagiando todos a minha volta e acabo tendo oportunidades que nunca imaginei ter. Acho importante que as pessoas tenham fé e não desistam no primeiro obstáculo. Não foi fácil chegar a onde estou, recebi muitos nãos e tive muitas portas fechadas na cara, muito preconceito mesmo, sabe? Mas não foram o suficiente para que eu desistisse.

A Bela é Carioca: Em sua participação no programa “Encontro”  (com Fátima Bernardes), você disse que é muito fácil  “dar calote em cego”, pois as notas  não são adaptadas para os deficientes visuais. O que passa na sua cabeça toda vez que você passa por essa situação?
Nathalia Rodrigues: Honestamente eu fico muito chateada, mas não tenho muito tempo de ficar bolada e nem posso absorver, porque logo depois tenho que confiar novamente em outro desconhecido. E se eu achar que todos a minha volta vão me enganar, não viveria. A melhor saída, e é o que eu faço, é confiar desconfiando em todos, evito tirar conclusões precipitadas, mas também não sou inocente ao ponto de achar que ninguém fará nada porque tenho uma limitação.

A Bela é Carioca: A sociedade tem o costume de vitimizar o deficiente por sua condição. O que você atribui a isso?
Nathalia Rodrigues: Acho que é uma tentativa de proteger e também por conta de preconceitos estabelecidos pela sociedade há muitos anos. No passado as coisas eram muito difíceis mesmo, não que não continuem sendo, mas as dificuldades mudaram de figura, antes era porque nós tínhamos oportunidades de mostrar a nossa capacidade, ficávamos escondidos em casa por vergonha de nossas famílias e por medo de críticas também. Hoje somos vitimizados porque estamos nas ruas, faculdades, cursos, mesmo sem estrutura, falamos , brigamos e parecemos, na maioria das vezes que estamos implorando por algo que não temos direito, quando na verdade temos tanto direito quanto quem não tem nenhum tipo de deficiência. Também tem aqueles que sofrem por uma unha quebrada e não se vem sem visão, sem audição, sem perna, ou com qualquer outra limitação, que surtaria e ficaria em casa se martirizando. Falando por mim, a deficiência não me tem, eu que a tenho e isso faz a maior diferença. Eu não estou cega, como estou alérgica ou com dengue. Eu sou cega, como sou preta e etc. Sacou a diferença?






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